Quando o assunto é o segmento automotivo, não é novidade para ninguém que a discussão que ganha cada vez mais destaque são os veículos elétricos. No entanto, pouco se fala sobre os impactos que eles terão nos modelos de negócios das empresas, e como consequência na mudança dos perfis dos profissionais que atuam nas organizações relacionadas ao segmento.
Os veículos elétricos deixaram de ser uma tendência e estão em vias de se tornar uma realidade em todos os fabricantes globais de veículos. A China, o maior fabricante global de veículos e maior mercado interno do mundo, pretende em 2035 ter 100% das suas vendas de veículos eletrificados. O mesmo vale para os países da União Europeia, enquanto EUA e Reino Unido têm essa previsão estimada para 2040.
Para entender melhor os prós e contras da adoção dessa tecnologia, fizemos uma conversa com Gustavo Schmidt*, executivo que liderou a área de Vendas e Marketing das montadoras Renault e Volkswagen. Segundo ele, as principais mudanças estarão relacionadas a(o) :
- Impacto Ambiental. A emissão de CO2 de veículos elétricos é praticamente nula. Entretanto o impacto ambiental não é zero. Afinal, a fabricação deste novo tipo de veículo será responsável pela geração de poluentes de igual maneira a um veículo a combustão. Um subtema dessa temática é a geração de energia para carregamento dos veículos, que em muitos países da Europa, por exemplo, ainda depende de combustíveis fósseis (aprox. 77% das necessidades energéticas da Europa são oriundas de petróleo, gás e carvão, segundo a Agência Europeia do Ambiente) .
- Impacto Social. Hoje o setor automotivo, sua cadeia de fornecedores, prestadores de serviço e serviços de apoio (Postos de combustível, Mecânicas, Revendas de Veículos, entre outros) empregam milhões de pessoas ao redor do mundo, com a mudança da tecnologia muitas das vagas passam a se tornar obsoletas e desnecessárias.
- Direcionamento dos Investimentos. Os grandes players globais precisarão manter duas frentes de negócios ativas, com investimento para uma nova linha de produtos de veículos elétricos e suas diferentes tecnologias, ao mesmo tempo que manter uma linha de investimentos na tecnologia a combustão que é a “Vaca Leiteira” do negócio e sofre com cada vez mais leis relacionadas ao impacto ambiental e segurança.
- Logística e Cadeia Produtiva. A cadeia produtiva do veículo a combustão já está consolidada, porém como as peças e itens para a produção do veículo elétrico são outras, ainda existe pouco preparo para fornecer as novas peças, e também pouca distribuição global. Além disso, existem os desafios tecnológicos e de escassez de produção de peças mais importantes como a bateria que representa mais de 60% do custo do veículo elétrico.
- Sistema de Concessionárias e Distribuição. O modelo de vendas dos veículos vem sofrendo inúmeras transformações, destaca-se o modelo de vendas através do canal digital, redução do tamanho e equipes de concessionárias e vendedores e ampliação da participação dos serviços no faturamento do negócio (Financeiros – Financiamento, Consórcio e Seguros, Pós-Vendas e Manutenção). Os veículos elétricos tendem a acelerar a visão de prestação de serviços, e diminuir a participação de um vendedor relacional. Além disso, haverá uma mudança muito grande no modelo de negócio, com serviços adicionais sendo os principais geradores de novas receitas – Car Sharing, Locação de Veículos entre outras modalidades ainda a serem desenvolvidas.
- Capacitação Profissional. Existe um desafio muito grande em termos de tecnologia de produto, logo as áreas técnicas ainda apresentam carência de profissionais especializados. O veículo elétrico terá um viés não só de hardware, mas também de software, o que demandará novos conhecimentos e perfis de profissionais nas montadoras e seus “tiers” e fornecedores. Além disso, o perfil do profissional de marketing passa a ganhar mais relevância na geração de receita, com diminuição dos times de vendas na ponta. Um impacto grande para os organogramas das organizações.
- Criação de uma Nova Economia. Toda a cadeia produtiva, assim como a de prestação de serviços para veículos elétricos e outros possíveis negócios, ainda precisam ser desenvolvidas. Seguramente, teremos uma nova economia sendo desenvolvida em cima dessa tecnologia. São postos e posições que ainda não imaginamos. Como exemplo, o mercado de baterias ganhará ainda mais relevância, com uma visão de economia circular (Utilização, Descarte e Reutilização).
- Gestão de Abastecimento. O consumo de energia elétrica ocorre em picos, e essa oscilação de demanda e oferta tende a criar dificultadores para o abastecimento de grandes frotas de veículos elétricos. Inclusive já existem empresas que estão trabalhando visando esse modelo de negócio no futuro.
- Integração de Tecnologias. Os veículos elétricos tendem a ser mais autônomos, com foco maior em serviço e vão demandar ainda mais integração com sistemas de trânsito, de monitoramento e controle de cidades e autoestradas, e outros sistemas inteligentes de navegação.
Por fim, a tendência de adoção e paridade de utilização de ambas tecnologias (Veículos Elétricos x Veículos a Combustão) é alta para os próximos anos. Gustavo Schmidt acredita que a adoção de veículos elétricos tende a ser diferente em cada região do mundo com maior tendência à adoção total na China e em países europeus. Nas Américas, na África e em outros países asiáticos, a tendência aponta para soluções híbridas. Independentemente da tendência 100% elétrica ou híbrida, é evidente que em termos de modelo de negócio o horizonte aponta para uma diminuição da importância do produto e um aumento da participação dos serviços no modelo de captura de valor.
Com base nisso, conclui-se que o desafio de negócio deixa de ser vender um veículo, e passa a ser entregar uma solução de mobilidade para o consumidor final. Isso impacta significativamente na forma de atuação dos profissionais e nos perfis profissionais que as empresas precisarão contratar. De acordo com Pedro Henrique Zanol, CSM na Foursales e especialista em R&S no segmento automotivo, os principais impactos de capital humano se darão em:
- Diminuição drástica do papel do vendedor relacional.
- Ampliação da necessidade de venda técnica e direcionada a serviço/solução ao invés de produto.
- Ampliação do papel do marketing buscando um modelo de digital first na experiência de compra e experiência do usuário.
- Ampliação dos times de suporte e atendimento ao consumidor no pré, durante e pós vendas.
- Ampliação da participação de profissionais da nova economia como Design de Negócios e Design de Serviços. Pensando novos serviços e modelos de atendimento ao consumidor.
- Ampliação de profissionais de Vendas, Marketing e Negócios com visão analítica e orientados a soluções de escala e conhecimento de ferramentas de desenvolvimento e técnicas.
- Ampliação das áreas de desenvolvimento de softwares e de integração com outras tecnologias (Spotify, Netflix, Alexa, Google Home (Car), e outras empresas a serem criadas). Essas integrações tendem a ser uma parcela importante do faturamento.
Ainda segundo Pedro Henrique Zanol, os fabricantes de veículos passarão por transformações drásticas nos seus quadros organizacionais. Gustavo Schmidt estima também que 30% do quadro será mantido e aperfeiçoado, outros 30% será desenvolvido internamente e é provável que outros 40% sejam encontrados em empresas de tecnologia das mais diversas especialidades.
Apesar de um futuro ainda em construção, os desafios apresentados pelos veículos elétricos para o segmento automotivo tendem a representar oportunidades de novos negócios, gerando impactos positivos para o meio ambiente e sociedade em geral.
A Foursales, empresa do grupo The Foursales Company, é uma consultoria de recrutamento e seleção especializada em posições de média e alta gestão de vendas e marketing, com amplo conhecimento no segmento automotivo em diferentes continentes.
*Este artigo contou com a contribuição de Gustavo Schmidt, Executivo da Fiat, Renault e Volkswagen por mais de 30 anos, sendo VP de Vendas e Marketing da Volkswagen de 2001 até 2017. Hoje é sócio-proprietário da G-Schmidt SC e Membro de Conselhos de Administração em todo Brasil. Ele participou do podcast RaiseTheBAR, da The Foursales Company. Você pode acessar à entrevista na íntegra abaixo: