Para responder essa pergunta, precisamos, antes, responder outra: o que é cultura? A definição clássica deste conceito foi dada pelo antropólogo britânico Edward B. Taylor: “complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Uma aproximação contemporânea, contudo, formulada por Boris Groysberg, professor de Administração de Empresas de Harvard Business School, diz que “cultura é um fenômeno coletivo [que] não pode existir apenas dentro de uma única pessoa, nem é simplesmente a média das características individuais. Ela reside em comportamentos compartilhados, valores e suposições e é mais comumente experimentada através das normas e expectativas de um grupo – isto é, as regras não escritas”.
A cultura organizacional está ancorada justamente em certos comportamentos e regras não-escritos e não-falados, mindsets e padrões sociais de determinada organização. Ela expressa metas através de valores e crenças e guia as atividades da organização pelas concepções e normas compartilhadas pelo grupo.
Capacidade de responder a desafios
Agora que já sabemos do que estamos falando quando nos referimos à cultura organizacional, podemos começar a considerar elementos para responder à pergunta do título do artigo. O primeiro elemento a se considerar é que ao recrutar, deve-se levar em conta primeiro qual o desafio da vaga, antes de traçar um perfil ideal baseado em características culturais. Um excelente profissional pode não ter o fit cultural, mas vai responder ao desafio melhor. Um exemplo é Anthony Park, Vice-Presidente da Netflix. Patty McCord, Chief Talent Officer da companhia de 1998 a 2012, conta a história em um artigo para o Harvard Business Review:
No papel, ele não era um gol para nenhuma empresa do Vale do Silício. Ele estava trabalhando em um banco do Arizona, onde ele era um “programador”, não um “desenvolvedor”. E ele era um cara bastante reservado. Ligamos para Anthony porque, em seu tempo livre, ele criou um aplicativo para melhorar o Netflix, que ele havia postado em seu site pessoal. Ele veio para um dia de entrevistas e todos o amaram. Quando ele chegou a mim, no final do dia, eu fiz uma oferta. Ele ficou paralisado, então eu perguntei se ele estava bem. Ele disse: “Você vai me pagar para fazer o que eu amo!” Eu me perguntei se ele se encaixaria à equipe de alta performance a que ele estava se juntando.
Alguns meses depois, fui a uma reunião de sua equipe. Todo mundo estava discutindo até que Anthony de repente disse: “Posso falar agora?” A sala ficou em silêncio, porque Anthony não falava muito, mas quando ele falava, era algo realmente inteligente – algo que nos fazia pensar “droga por que não pensei nisso?”. Agora Anthony é vice-presidente. Ele prova que as organizações podem se adaptar aos estilos de muitas pessoas.
Agentes da mudança
Outro aspecto a se considerar é que profissionais vindos de outra cultura organizacional podem ter o tônus necessário para se tornarem agentes da mudança cultural ou estratégica de que sua empresa precisa em tempos difíceis. Groysberg, Lee, Price e Cheng narram a história da substituição de um CEO em uma empresa que precisava mudar.
O executivo-chefe de uma empresa agrícola estava planejando se aposentar, estimulando rumores sobre uma aquisição hostil. O CEO estava preparando ativamente um sucessor, um insider que estava na empresa há mais de 20 anos. Nossa análise revelou uma cultura organizacional que enfatizava fortemente o cuidado dos colaboradores e o propósito da organização. Como um líder da empresa refletiu, “você se sente parte de uma família grande quando se torna funcionário dessa empresa”.
O potencial sucessor entendeu a cultura, mas era muito mais avesso ao risco e respeitava mais as tradições do que o resto da empresa. Dados os rumores de aquisição, os principais líderes e gerentes disseram ao CEO que acreditavam que a empresa precisava adotar uma postura mais agressiva e voltada para a ação no futuro. O conselho decidiu considerar o candidato interno paralelamente a pessoas de fora da empresa.
Três candidatos externos surgiram: um que estava alinhado com a cultura atual (propósito), aquele que seria um tomador de riscos e inovador (aprendizado), e um terceiro impiedoso e competitivo (autoridade). Depois de considerável deliberação, o conselho escolheu o líder altamente competitivo com o estilo de autoridade. Logo depois, um investidor tentou uma aquisição hostil, e o novo CEO pôde navegar pela situação precária, manter a empresa independente e, simultaneamente, começar a se reestruturar em preparação para o crescimento
Fit cultural é importante, mas não determinante
Não há uma resposta única. O ideal é analisar cada situação e não se manter fechado – a cultura organizacional, ainda que muito importante, não é um fim em si mesma, mas uma das ferramentas da empresa para atingir suas metas e propósitos.
Nas duas situações exploradas acima, a cultura organizacional era forte e havia preocupação com o fit cultural das novas contratações – o que significa que, corriqueiramente, as contratações consideravam o fit cultural dos candidatos importante. Isso é verdade principalmente quando falamos de gestores e quando a cultura organizacional está alinhada à estratégia da empresa e não é necessário fazer uma mudança.
Entretanto, recrutar líderes vindos de outras culturas fez toda a diferença para:
- Arejar a equipe, trazendo pontos de vista e modos de agir diferentes – o que pode servir até mesmo para a reflexão e reafirmação da cultura organizacional corrente;
- Plantar a semente da transformação organizacional quando a empresa precisou mudar para prosperar em tempos difíceis, reagindo de maneira assertiva a investidas agressivas; e
- Responder de forma inesperada a novos desafios, seja estrategicamente ou em questões rotineiras.
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