Um dos setores das empresas que mais tiveram desafios neste tempo de pandemia foi o de Recursos Humanos. Ficou sob responsabilidade dele garantir o bem-estar e a saúde mental dos colaboradores em um dos momentos mais delicados relacionados a esses assuntos. As pessoas assustadas com a doença, perdendo pessoas próximas, lutando contra sintomas e com a adaptação das atividades em suas casas (quando possível) tiveram grandes impactos.
A gestão de pessoas foi obrigada a se transformar, os aprendizados acontecendo em tempo real, adaptações em tempo recorde, mas, hoje, com a situação se normalizando aos poucos, se mantiveram muitas mudanças, inclusive que já eram necessárias há algum tempo e que foram aceleradas pelo período vivenciado.
Sendo assim, o que vem despontando como a macrotendência do mercado de trabalho do próximo ano é essa preocupação com a saúde mental e o olhar mais humanizado das relações de trabalho. A consciência da importância desses assuntos no meio corporativo veio ganhando força nos últimos anos, e com mais aprendizados, ela se faz ainda mais presente para 2023. Essa tendência destaca o novo papel de Recursos Humanos dentro das empresas, sendo o grande responsável por esse movimento.
A antiga ideia do RH como um setor burocrático, focado em Recrutamento e Seleção, documentação de colaboradores, processos de desligamento e outros que envolvem legislação trabalhista ainda está presente, mas a visão está se tornando mais abrangente, dando espaço para uma atenção maior para engajamento, marca empregadora, produtividade e um olhar mais humanizado sobre as necessidades de cada indivíduo.
Hoje em dia as empresas estão muito mais focadas em desenvolver estratégias voltadas para a melhoria dos ambientes de trabalho, os quais sejam seguros psicologicamente, que incentivem o desenvolvimento individual, que valorizem o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, que promovam a saúde mental e consequente qualidade de vida, e mais do que isso: que os colaboradores tenham recursos para conquistar esses objetivos.
Aumento da importância do papel da liderança
Em uma empresa em que os colaboradores sejam valorizados e, com isso, apresentem melhores performances, é fundamental o papel dos líderes como motivadores dessa mudança de visão em relação ao trabalho. E essa é uma das principais iniciativas do RH para o próximo ano: estar alinhado com os líderes para que haja um trabalho mais humanizado e uma nova maneira de relação entre todas as pessoas envolvidas. Segundo a recente pesquisa realizada pela Gartner que entrevistou mais de 850 líderes de RH em 60 países, identificou que 60% acreditam que a principal tendência para 2023 é a eficácia dos líderes e gestores, ou seja, que há uma necessidade de mudança na maneira de liderar.
Com os atuais arranjos de trabalho flexíveis há também uma grande redefinição da dinâmica entre líderes e colaboradores, impulsionando um relacionamento mais empático. Essa liderança centrada no humano, destaca as habilidades dos líderes como autenticidade, empatia e adaptabilidade, segundo a mesma pesquisa da Gartner.
Há uma cobrança dos próprios colaboradores a serem mais ouvidos, a participarem das decisões, a terem mais autonomia e, com isso, serem mais reconhecidos. Esse movimento impulsiona essa mudança na liderança, de que não há mais espaço para o líder apontar o que deve ser feito, mas que as decisões sejam tomadas em conjunto e que a comunicação seja aberta e transparente.
Em entrevista concedida ao programa Gestão de Pessoas, da The Foursales Company, Patricia Bobbato, Diretora de Pessoas do Grupo Tigre, evidenciou a atenção ao papel fundamental da liderança na condução das mudanças, principalmente, nos novos modelos de trabalho. “Vejo que um dos maiores desafios das lideranças, atualmente e no próximo ano, seja incluir os colaboradores. É preciso dar a mesma atenção aos profissionais que estão trabalhando em casa do que estão presencialmente, conseguir motivá-los da mesma maneira. A consolidação e validação do modelo híbrido está na pauta da maioria dos RHs”, afirma Bobbato.
“Nada melhor do que perguntar para seu time o que está funcionando ou não. Se o líder está próximo, mantendo as pessoas positivas e fazendo-as se sentirem bem com o trabalho, com certeza os resultados virão. Uma ferramenta simples para resolver isso: feedbacks constantes. O que percebemos dentro da Tigre é que a liderança que inspira, que escuta, que celebra, que cuida do indivíduo, consegue muito mais resultados”, explica a Diretora de Pessoas.
Maturação do modelo híbrido
Com as novas demandas de trabalho remoto e híbrido impulsionaram ainda mais o papel do RH estratégico. Já é conhecida como uma das atribuições do departamento de Recursos Humanos a manutenção do clima organizacional, contudo com a mudança no formato de trabalho, também, algumas ações precisaram ser ajustadas relacionadas a essa área. “Como manter os colaboradores engajados e produtivos sem estarem presencialmente? Como dar atenção igualmente aos profissionais que estão indo à empresa e os que estão em casa? Como manter os valores e propósito vívidos mesmo à distância?”. Essas são algumas das considerações feitas pelos profissionais nesse período.
Segundo estudo do Google Workspace, feito em parceria com a consultoria IDC Brasil, mostra que, em 2022, 56% das organizações atuam com o formato híbrido. É a realidade na maioria das empresas, contudo, muitas ainda estão em fase de aprendizados.
De acordo com essa pesquisa, 73% dos entrevistados acreditam que o modelo híbrido é a melhor opção e que 65% dos profissionais que estão no presencial trocariam seus empregos atuais para trabalhar no formato híbrido.
Esses indicadores demonstram a mudança de mentalidade em relação ao trabalho, a valorização da flexibilidade, o que impacta nas ações voltadas para atração e retenção de talentos, assim como estratégias de Employer Branding.
Marca Empregadora
A imagem que a empresa constrói perante ao mercado contribui para atrair os talentos, para ser aquela organização na qual todos querem trabalhar. Mas esse trabalho é feito no dia a dia, com sinergia com a realidade de todos que compõem essa empresa. Uma reputação de marca não se sustenta a longo prazo com falsas ideias, ela é vivida na prática e seu resultado é uma consequência.
Tão importante quanto recrutar os melhores profissionais do mercado, é estabelecer uma cultura organizacional de excelência para reduzir o turnover e isso está intimamente ligado a como os colaboradores se sentem trabalhando em determinada empresa.
“Eu percebo uma mudança de mentalidade em relação ao trabalho como um aprendizado que a pandemia deixou. Os profissionais estão querendo deixar para trás aquela concepção do trabalho como algo pesaroso, difícil, carregado de frustrações para algo útil e estimulante em suas vidas. Com isso entra muito a questão da cultura e o próprio trabalho dos líderes para proporcionarem isso aos colaboradores”, salienta Rodrigo Sahd, Managing Director da The Foursales Company.
Atração e retenção de talentos
Remuneração e benefícios são sempre importantes para a satisfação dos colaboradores, mas hoje, mais do que nunca, os profissionais estão buscando outras maneiras de se sentirem realizados em seus cargos. Isso envolve relações interpessoais, as relações com as lideranças, o ambiente organizacional, as políticas de gestão interna, seus objetivos e se os valores da empresa estão ligados aos seus próprios.
“Para o próximo ano há uma grande preocupação com o aumento da inflação, com isso há uma exigência ainda maior em olhar para a satisfação dos colaboradores além de seus salários. As empresas precisam criar atrativos que não sejam apenas a remuneração, por isso essa liderança mais próxima e humanizada fará grande diferença”, explica Patricia Bobbato.
Um propósito da empresa bem definido em sua cultura cria um forte senso de comunidade e pertencimento entre colaboradores e parceiros de negócios. E o efeito disso reflete em melhores resultados e crescimento. Portanto o Employer Branding está muito relacionado a Employee Experience e esta é uma das principais tendências para 2023 segundo 47% dos líderes de RH que responderam a pesquisa da Gartner.
Isso leva a entender como tendência treinamento e desenvolvimento como forma de atração e retenção, o cuidado com sustentabilidade, assim como com diversidade, equidade e inclusão, e demais fatores que procuram para a satisfação dos colaboradores em contribuírem para uma empresa.
Movimentos que apareceram nos últimos anos no mundo como Great Resignation e Quiet Quitting demonstram essa mudança de mentalidade por parte dos profissionais. O primeiro está relacionado ao grande número de demissões e o segundo com o mínimo esforço, ou por um olhar mais otimista, de equilíbrio entre vida profissional e pessoal. De qualquer maneira, os dois movimentos estão interligados e mostram que os profissionais não estão mais aceitando estar insatisfeitos em seus empregos.
Essa questão evidencia um obstáculo que as empresas vêm enfrentando e indica que vão continuar tendo dificuldades nos próximos anos, que é a de fechar vagas estratégicas. Com os talentos mais disputados e exigentes, o Employee Value Proposition terá destaque nas agendas dos RHs e precisará adaptar suas estratégias para acolher as novas exigências do mercado.
“São várias tendências que podem ser colocadas como valor proposto para o talento. Como a liderança humanizada, os novos modelos de trabalho, a flexibilidade, o cuidado com a saúde mental, e além da remuneração, o salário emocional. Os profissionais precisam ser felizes no que fazem”, aponta a Diretora de Pessoas da Tigre.
Diante de todos os processos e comportamentos que se apresentam para 2023, fica evidente a necessidade de uma transformação cultural nas empresas que se adapte à nova mentalidade de trabalho e que resulte em crescimento para as organizações. No final todos ganham: profissionais mais satisfeitos e motivados, equipes mais saudáveis, líderes mais completos e organizações com melhores resultados.
Confira o episódio do Gestão de Pessoas na íntegra com a entrevista de Patricia Bobbato: