Na sociedade atual, os profissionais estão constantemente sendo cobrados pelo desempenho. Há uma busca incessante por produzir mais, pela dedicação integral ao trabalho, por se manter ativo. Parece que um tempo ocioso beira a um crime, que descansar é algo errado e que “não ter tempo para nada”, “ter uma agenda cheia”, “dias muito corridos”, faz das pessoas serem melhores em suas posições.
Isso leva a um termo muito falado hoje em dia, “produtividade tóxica”, que pode ser traduzido como uma preocupação excessiva com o trabalho. A tentativa de otimizar o tempo ao máximo, a obsessão ao autoaperfeiçoamento, a cobrança exagerada por uma alta performance, e a negligência com o tempo de descanso.
A própria pandemia com a expansão do home office aumentou essa sensação de que é preciso estar sempre produzindo. Logo no início da quarentena houve uma enxurrada de lives, cursos gratuitos, aulas de yoga, meditação, culinária com o intuito de ocupar o “tempo livre” das pessoas. A dificuldade em encontrar o equilíbrio entre vida profissional e pessoal também apareceu ainda mais no período em que as pessoas foram obrigadas a ficar mais em casa.
A sensação que é preciso estar fazendo algo o tempo todo, estar conectado ao celular ou computador, estar por dentro das notícias, estar disponível em todas as horas, usar o tempo livre para produzir ainda mais e carregar uma culpa por “estar fazendo nada”, caracterizam a produtividade tóxica. O que pode acarretar sérios problemas de saúde.
O corpo necessita de descanso. O cérebro não pode receber estímulos ininterruptamente. Se há uma intensa atividade cerebral, isso pode desencadear altos níveis de cortisol, o hormônio ligado ao estresse, o que pode acarretar em diminuição das funções cognitivas, como aprendizado e memória.
O excesso de cortisol também impede que o corpo produza serotonina, o hormônio responsável pela sensação de bem-estar, e isso pode acarretar depressão, burnout, ansiedade e outras doenças mentais.
Existe ainda um movimento crescente em ambientes corporativos de encorajar o protagonismo de carreira, aparecendo cada vez mais um modelo de gestão que incentiva a autonomia do colaborador. Isso apresenta aspectos positivos, contudo também pode estimular o excesso de cobrança de si mesmo. A busca incansável – e muitas vezes inatingível – de uma performance além do comum, envolta de uma competitividade extrema.
Essas questões aparecem no livro de Byung-Chul Han, “Sociedade do Cansaço”, um ensaio sobre os efeitos provocados na mente das pessoas pelas mudanças sociais, culturais e econômicas do século 21. Nele, além de ser discutida a produtividade tóxica, também é abordada a positividade tóxica, que é aquela ideia que não se pode reclamar, que é preciso mais garra, mais força, mais motivação, mais entusiasmo para ser um bom profissional. Excluindo que em alguns casos existem problemas mais profundos e até mesmo causados por essa demasia de dedicação ao trabalho.
Esse excesso de trabalho disfarçado de sucesso pode ser muito prejudicial para a saúde. A falsa sensação de ser produtivo o tempo todo como algo bom, pode estar causando o efeito contrário. Ou seja, a desconsideração para a saúde mental e física, provocam ainda mais problemas, pois fica muito mais difícil realizar um trabalho de qualidade, ser criativo e atingir o alto desempenho tão desejado.
E como saber se você está vivendo um quadro de produtividade tóxica?
Responda as perguntas abaixo:
- Você tem o sentimento excessivo de culpa no que se relaciona ao trabalho?
- Você tem a ideia constante de que deveria estar fazendo algo produtivo?
- Você troca de atividades de lazer por atividades de trabalho?
- Fica com vontade de estar conectado ao celular ou computador o tempo todo?
- Tem a sensação de estar cansado(a) com frequência?
- Muitas vezes passa de seu horário de trabalho, realizando muitas horas extras?
- Quanto está em um momento de descanso ou “fazendo nada” se sente mal?
- Nos finais de semana continua ligado(a) ao trabalho?
Caso você tenha respondido sim a mais de três dessas perguntas, pode ser que você tenha a tendência a estar chegando à produtividade tóxica, ou seja, pode estar prejudicando seu corpo, acarretando problemas de saúde e inclusive prejudicando seu desempenho profissional.
E como evitar a produtividade tóxica?
Colocar o descanso e o lazer também como prioridades é uma maneira simples e muito eficaz para evitar problemas de saúde. Fazer intervalos entre tarefas complexas pode ajudar. Definir prioridades do trabalho, dizer “não” a algumas tarefas e delegar outras também devem estar presentes na rotina.
A conscientização que nem todas as tarefas vão apresentar resultados imediatos, que um bom trabalho pode ser feito entre várias pessoas, não se comparar com outros colegas, compreender que a vida profissional não é tudo e se perguntar constantemente se o trabalho está sendo realizado por uma real necessidade ou por pressões externas, ou até mesmo internas, pode ajudar a não comprometer a saúde.
Conversar abertamente com líderes e colegas de trabalho sobre altas demandas de trabalho, incluir atividades físicas, alimentação saudável, ter boa qualidade do sono com horas suficientes para o cérebro se recuperar, estabelecer limites em responder mensagens de trabalho, se desligar de aparelhos eletrônicos, podem ser atitudes que farão grandes diferenças nos bons resultados profissionais.
O papel do líder
Esse termo da moda,”produtividade tóxica”, pode ser um alerta para que as organizações foquem ainda mais em ambientes seguros e saudáveis, permitindo que colaboradores expressem os sentimentos negativos, a exaustão, a impossibilidade de produzir algumas coisas. Acolher as emoções e as frustrações é humanizar.
Os líderes e profissionais de RH também precisam estar atentos para ajudar os colaboradores a não chegarem a situações de produtividade tóxica. Estarem atentos a sobrecargas de trabalho, vigiarem a folha de ponto e suas horas extras de trabalho, perceberam comportamentos de estresse e desânimo, podem contribuir. Proporcionarem ambientes abertos à comunicação, um espaço de colaboração e aprendizagem, que não precisem abraçar o mundo sozinho, mas que possam confiar nos membros da equipe.
Inclusive as lideranças precisam vigiar a si mesmas para não transmitirem essas cobranças para seus subordinados. Segundo uma pesquisa do The BJM, publicação de medicina conceituada no Reino Unido, aponta que o estresse é contagioso. O estado de espírito do líder e seus comportamentos são muito influentes: é transmitido em uma organização como a eletricidade passa pelos fios e até mesmo pelo ar, pois os níveis de cortisol elevados podem ser sentidos pela transpiração e contaminar todo o ambiente.
O cuidado com a extrema cobrança da produtividade, do rendimento, da eficiência e eficácia precisa ser visto a longo prazo. É algo construído com base na saúde e no bem-estar. De nada adianta entregas rápidas, movimentação de equipe, se mais para frente o desgaste mental aparecer e destruir mais do que o profissional, o ser humano.