Os Estados Unidos passaram, no ano passado, pela The Great Resignation, ou A Grande Renúncia, e até hoje estão tendo que lidar com as consequências desse movimento no qual um grande número de trabalhadores pediu demissão. A cada mês mais de 4 milhões de americanos pediram para sair de seus empregos.
E no Brasil parece estar acontecendo um movimento parecido. Em janeiro, 544.541 pessoas decidiram abandonar seus trabalhos, de acordo com o recorte da LCA Consultores, a partir de microdados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados. Há oito anos o país não via um número grande assim.
Os estudiosos referenciam essas tomadas de decisões por conta da pandemia e a reflexão sobre o papel do trabalho na vida das pessoas que ela causou. A busca por qualidade de vida, equilíbrio, cuidados com a saúde mental, fizeram com que mais pessoas repensassem suas prioridades.
Assim como constatou Anthony Klotz, psicólogo organizacional e professor da Texas A&M University, “Não se trata apenas de conseguir outro emprego ou deixar a força de trabalho, trata-se de assumir o controle de seu trabalho e vida pessoal e tomar uma grande decisão – renunciar – para conseguir isso”, disse CNBC. “Este é um momento de empoderamento para os trabalhadores, que continuará.”
No mínimo foi surpreendente esses números em um dos principais momentos de incertezas econômicas, ainda mais para o Brasil que apresenta altos índices de desemprego e falta de mão de obra qualificada.
Mas afinal o que isso representa? O que indica para o futuro do trabalho? O que os líderes precisam se atentar?
A Grande Renúncia, de qualquer forma, movimentou o mercado e fez as empresas do mundo inteiro refletirem sobre a satisfação dos colaboradores. Ela forçou – e continua forçando – um novo posicionamento dos líderes das organizações. Ao que tudo indica os talentos reconheceram seus valores e passaram a ditar as regras, o jogo virou.
Profissionais com bons currículos, experiência e confiantes de suas competências, começaram a almejar empregos que dessem mais motivação. E essa motivação vai além do salário, nota-se uma maior necessidade de busca por propósito, relações humanas, comunicação aberta e oportunidades de desenvolvimento.
Uma pesquisa feita pela iN em parceria com o CI-Lab da ESPM, apontou que 53% dos das pessoas questionadas já deixaram de aceitar uma proposta de trabalho, mesmo que financeiramente atrativa, por considerar que a empresa não se preocupava com o bem-estar dos seus funcionários.
Isso demonstra a importância que o engajamento, o alinhamento com a cultura organizacional, o estilo de liderança, a compreensão das necessidades de cada indivíduo dispõem. Enquanto os talentos revisitam suas prioridades, buscando um maior equilíbrio entre vida profissional e pessoal, as empresas também precisam repensar as estratégias de retenção desses talentos. Afinal, grandes números de demissões acarretam grandes custos financeiros de turnover para as empresas.
As transformações observadas nos últimos dois anos no mercado de trabalho apresentam uma única saída: a reinvenção e a resiliência como focos das organizações. Os líderes precisam estar atentos ao que os colaboradores desejam. Perguntas como “Meus colaboradores entendem o porquê de estarem trabalhando em minha empresa?”, “Meus funcionários sabem qual é o propósito da organização”, “Esse propósito está alinhado com os interesses deles?”, “Eles estão realmente satisfeitos?” precisam ser constantemente revisitadas.
Esses questionamentos voltados para a adequação às mudanças do mercado são essenciais para identificar, desenvolver e valorizar talentos, possibilitando a criação de times de alta performance plenamente engajados com o propósito e com os objetivos do negócio.
Uma das formas de manter as pessoas satisfeitas em suas posições é oferecer flexibilidade no modelo de trabalho, fator que se tornou mais importante desde o início da pandemia.
Em uma pesquisa recentemente realizada pela WeWork em parceria com a HSM, com profissionais da América Latina, concluiu-se que 81% dos trabalhadores desejam permanecer no modelo híbrido, enquanto 14% preferem o regime remoto e apenas 5% voltariam a trabalhar presencialmente todos os dias.
E os motivos que apontam esses números estão relacionados a satisfação em realizar o trabalho. Entre os benefícios do trabalho presencial, os entrevistados apontaram a integração entre áreas e funcionários (75%), a troca de informações e processos criativos (58%), a formação de amizades de trabalho ou estratégicas (57%) e o fortalecimento da cultura organizacional (50%).
Já o home office tem como vantagens a economia de tempo no transporte (99% dos entrevistados), a redução dos custos operacionais (71%), a gestão do tempo (61%), o aumento da concentração (57%) e a melhoria da produtividade de colaboradores e times (54%).
Além disso, nunca foi tão importante cogitar ações voltadas para experiência do funcionário (employee experience) e na marca empregadora (employer branding), além de destacar a diversidade e a inclusão como fatores relevantes na hora das contratações. É um momento em que nunca na história a voz do colaborador foi tão ouvida.
Os valores e as necessidades dos indivíduos precisam ser considerados. O reconhecimento de que as pessoas são as maiores riquezas dentro de uma organização está em pauta. É o momento de se discutir qual é o real significado do trabalho, qual o papel da liderança, de uma gestão compartilhada e humanizada.
Os profissionais querem trabalhar por um propósito
A pandemia mostrou que cultura institucional consolidada e orientada à geração de resultados com propósito é essencial para manter os colaboradores satisfeitos em trabalhar dentro de uma organização.
Trabalhar por uma causa, em vez de por uma necessidade, normalmente é mais agradável e mais satisfatório. É a consciência do legado que a empresa pretende deixar e, especialmente, o caminho que ela vai percorrer para isso.
O propósito gera o sentimento de pertencimento, de lealdade, de envolvimento com uma causa e isso desperta o desejo de se entregar mais, a dar o seu melhor, a ser mais produtivo e isso, obviamente, acaba sendo refletido nos resultados.
Segundo um artigo de Heverton Peixoto, para Istoé Dinheiro, uma cultura que gere propósito e seja verdadeiramente focada em resultado pode ser vital na proteção dos times, atuando em quatro pilares principais:
Comunicação transparente e direta: culturas focadas em resultado e que geram propósito levam seus colaboradores a buscarem sempre feedbacks constantes, comunicação clara e autêntica. Este ambiente impede que os profissionais que estão em casa, distantes dos colegas, fazendo reuniões por vídeo, tenham dúvidas sobre seu desempenho, sobre sua capacidade de gerar impacto e atender as necessidades da empresa. Em culturas onde a comunicação é fluida esses temas são discutidos abertamente.
Empatia e apoio: nas companhias com cultura focada em resultado, os times estão preocupados com o impacto final e não com competições ou comparações. Nestes ambientes, as equipes sentem quando um colega não está bem ou não está conseguindo realizar suas entregas e a reação de ajudá-lo é imediata, não só pela solidariedade, mas para preservação do impacto final no time. Nestes momentos, um elo de empatia, amizade e auxílio cria o sentimento de pertencimento e propósito.
Liberdade para pedir ajuda: nessas empresas abertas, que consideram erros como parte do desenvolvimento dos times, cria-se naturalmente um ambiente de acolhimento para as pessoas dividirem suas falhas ou fraquezas sem receio de julgamento. Com isso, nossos colaboradores se permitem estar mal e pedir ajuda, e isso não apenas é aceitável como é esperado.
Líderes aspiracionais e engajadores: culturas com propósito e focadas em resultado atraem e retêm líderes aspiracionais, que entendem que somente vão conseguir capturar resultado por meio do investimento em pessoas. Por isso, tais lideranças sabem que precisam estar sempre engajando, motivando e desenvolvendo os times, com honestidade e transparência. Líderes assim fazem muito bem à mente, são os melhores estímulos.
Com as novas percepções sobre a qualidade de vida e a relação com o trabalho, é possível ter um olhar mais positivo e de oportunidade de uma sociedade mais feliz, com conhecimento compartilhado e trabalho colaborativo. Com líderes mais abertos e talentos mais preparados para os novos desafios.